sábado, 5 de fevereiro de 2022

Condão


Quando escrevo, não imponho limites:

Me derramo, me desvelo,

A poesia então num ato de cerzir

Emenda minha existência com a dela.

Siamesas, gêmeas,

Filhas da mesma cepa,

 de tantos pais e mães.

 

Quando escrevo, não me envergonho:

Das minhas vulnerabilidades

A poesia pulsa, lateja,

E como sangria corrente

Devasta-me do cerne à cerviz.

Recomposta das feridas, cicatrizadas

Sou matéria, obra-prima, raiz.


Indecisa,

Não sei ao certo se crio ou sou mera cria dela.

Caminhante erma, de estradas e cirros,

Faço da poesia o meu condão:

É aqui que me dispo,

Sendo o que sou

Me revelo,

Me faço verso e revolução.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Boca da noite



A boca da noite me beija,

num entremeio de suavidade e força,

me suga,

com  sua saliva composta de tempo e fúria

sabendo muito bem como usá-la.


A boca da noite é ácida,

nela há os devaneios marginais,

os desejos proibidos,

os segredos escondidos,

nos caminhos dos vira-latas que uivam no cio.


Se a boca da noite me toma,

num coquetel de desdenho e devassidão,

danço, rebolo, e me faço cálice:

graal sagrado e pagão

 cheinho de veneno e sabor,

e melanina e caos.


Brinco na boca da noite

recriando céus nada cristãos:

paraíso hedonista,

recanto cínico,

delírio comunista

solidão necessária

poesia,

utopia.


Afinal, não há dúvida de que

quem possua as poetas

não são outros, senão

os braços, o membro e a boca

gulosa e imensa da noite.



 


Condão

Quando escrevo, não imponho limites: Me derramo, me desvelo, A poesia então num ato de cerzir Emenda minha existência com a dela. ...