
O nariz vermelho, expressivo, dá vasão à lágrimas que se deleitam e escorrem na face do escultor de milhares de sorrisos. A peruca já deixada de lado, colorida, excêntrica, expressiva, abre caminhos para o sofrimento e o remorso do indivíduo que impera sobre os picadeiros... Lona já não há mais, há apenas o trágico e cômico picadeiro da vida. De seus olhos, olhos grandes, chuva de lágrimas, pranto indefinido, solidão! Às avessas, como que vendo a vida por um retrovisor, sua boca lança palavras e escárnios à banalização da arte, à arte de viver... Enquanto uma pequena quantidade de crianças encantam-se pelo seu riso, outras milhões contentam-se duramente com a frieza das ruas, com os restos de comida nos lixões, com os perigos e as calçadas imundas ofertadas como casas, e risos, elas não mais possuem.
O palhaço vê o reflexo de suas próprias lágrimas, as lágrimas derramadas por um batalhão de pedintes, lágrimas que rogam, mesmo em silêncio, por aqueles que não tem riso, e de prantos vivem a derramar... O palhaço enquanto artista, enquanto homem, mesmo a embalar risos e gozos, jamais se esquece dos abismos sociais, dos direitos tidos como Direitos Humanos Universais, ao qual sua universalidade é banalizada e posta à prova. Mesmo em diálogo com a utopia, não exime-se a derramar suas lágrimas por quem talvez não dê espaço mais para a inocência, para as brincadeiras descontraídas, para os sonhos infantis... Mesmo sendo construtor de um universo mágico, procura sempre manter os pés, com sapatos enormes e extravagantes, firmes nesta realidade de ricos e pobres, de negros e brancos, de minorias e maiorias.
Mas o que fazer com suas lágrimas, com sua consciência, com o pesar que habita tanto em sua mente quanto em sua face? As lágrimas, a inquietude, a desconsolação retratam apenas aquilo que é absorvido por quem tem olhos e não pretendem mantê-los cerrados ou vendados... Por quem, mesmo que pequeno diante de tantos problemas, assume as dores de terceiros como fossem suas, e talvez sejam essas dores sua também... Não é misericórdia, não é pena, nem mesmo caridade fingida, mas, sumamente a matéria que compõe seu pranto é sensibilidade, altruísmo, humanismo!
O palhaço, artista popular, conhece como ninguém o peso e as injustiças geradas pelo preconceito, pelo descaso e pela prepotênica humana. Ele, assim como tantas e tantas crianças que sobrevivem nas ruas, sabe a diferença exata entre o discurso e a prática, entre as convenções impregnadas de preconceitos e os interesses políticos. Ele conhece as feridas feitas pela indiferença, elas as sente diariamente em sua pele... Assim como as crianças abandonadas nas praças, conviventes com as drogas, com a violência, ele também, assim como elas, faz-se mártir dentro de um sistema devorador.
Seu trabalho, embora belo, não é reconhecido...
Seu sorriso convertido em pranto, não é visto...
Sua arte, sua vida, seus sonhos, suas lágrimas são todos eles marginalizados....
Mas não se dá por vencido, e a cada dia, a cada novo espetáculo, lança sementes de alegria, planta e colhe esperanças, por mais que seus atos não sejam reconhecidos, sua recompensa está mantida na força de viver, na tentativa pequenina de mudar os padrões. Depois do riso vem o pranto, e depois dele, vem novamente a vontade e os desafios de reconstruir o real...
Palhaço solitário, nas coxias o panquê volta à face, a inquietação permanece no ser e o movimento contínuo do mundo escorre... e com esse movimento, a esperança e as lágrimas renascem!
"Um dia tudo isso mudará..." pensa alto o palhaço com o rosto coberto de lágrimas, lágrimas que anseiam mudanças!