
Certa noite a brisa trouxe-me uma mensagem.
Sem remetente, sem envelope, sem CEP ou algo mais que possibilitasse saber de onde ela viera. Chegou sorrateiramente, entrou pela janela, passeou por todo meu corpo, penteou meus cabelos, e ao chegar aos meus ouvidos, deliciosamente sussurrou... Embriagada com o momento, acompanhando a vagarosa e leve dança, levitei e junto ao seu pedido sussurrado, voei. Saí do meu quarto passei pela varanda e quando me dei conta, já estava sobre o jardim.
Aos poucos fui saindo do meu habitat, e logo estava eu brincando por entre as estrelas, ouvindo a belíssima Lua declamar seus versos e poemas preferidos. Fui ao seu encontro, e ela timidamente acomodou-me em seus átrios. Sensações... Sensações... Sensações.
Plenamente em estado de gozo, descansei e me pus a contemplar o que estava me acontecendo. Lá de cima, vi as pontas dos arranhas-céus, os grandes centros comerciais, os outdoors hiper iluminados, as campanhas imperativas "COMPRE!", "EXPERIMENTE!", "LEVE!", "ADQUIRA!". Vi também as fumaças escuras, borrando o céu, dando às nuvens formas e feições obscuras, pesadas e sobretudo dando-as poluição. Aos sons dos versos lunares, percebia que lá em baixo nós estávamos matando-nos. Matando a nós, matando ao Planeta!
Nem sequer senti saudade...
Nem mesmo quis voltar...
Sonolenta, lembrei-me da minha infância, dos meus sonhos de moleca, das minhas quimeras, dos meus planos de mudar o mundo. Pude os ver nitidamente, pude inclusive detectar onde permaneci a mesma e onde mudei... As mudanças, nossa, essas me assustaram! Algumas de bom grado, outras, em grande maioria, fizeram-me refletir. Tudo aquilo que eu era, poucos vestígios restaram. E tudo o que abominava outrora, tivera eu me tornado... Interrogações. ???
Assim vi que deixei de sonhar, que deixei de valorizar as fantasias, que me tornei mais uma pessoa frustrada, ao qual há muito tempo abortei o meu "ser criança". Decepcionada, derramei torrentes de lágrimas, e quis fortemente voltar ao tempo passado na tentativa de reconstruir minhas escolhas. Inútil querer! Não poderia definitivamente voltar ao passado.Enxuguei as pesarosas lágrimas e pedi apenas para voltar, não ao passado, mas ao meu canto, ao meu simples quarto.
Vagarosamente voltei...
Voltei ao meu quarto e com os pés no chão optei por dar uma inversão à minha vida. Mergulhei a fundo em meu âmago, e de lá colhi os sonhos e os quereres quase esquecidos, os valores desbotados e tudo o mais que a contemporaneidade me fez abortar. Juntei tudo isso, enchi minha mochila e compactuei comigo mesma que a partir daquele instante, faria valer a pena a diversidade, o movimento e a brevidade da vida. Encarando meu reflexo no espelho, pude reconhecer-me novamente.
Vivenciei a experiência pura e completa de ser aquilo que sempre fui: uma criança, uma existente VIVA de verdade!!!